domingo, 16 de outubro de 2016

MANIFESTAÇÃO DO PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL SOBRE O INDEFERIMENTO DA CANDIDATURA DE ALBERTINO TEIXEIRA DA CRUZ



MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais

Recurso Eleitoral nº 431-53.2016.6.13.0244

Parecer PRE/T/2016

Excelentíssimo Juiz Relator,
Egrégio Tribunal,

Trata-se de recursos interpostos de sentença que indeferiu registro de candidatura impugnada em face do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, que prevê a inelegibilidade dos que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente.

O recorrente sustenta o caráter opinativo do parecer do Tribunal de Contas da União. Afirma que o órgão competente para julgamento das contas é a Câmara Municipal, nos termo do Recurso Extraordinário nº 848.826 julgado recentemente pelo STF.

Contrarrazões foram apresentadas. É o relatório.

1. CONTAS DE CONVÊNIO. Competência do TCU. Inaplicabilidade do RE 848.826/DF. Distinguishing. Inteligência dos arts. 489, §1º, V e VI, c/c 927, §1º, do Novo CPC.

No RE 848.826/DF, o STF firmou o entendimento no sentido de que o Tribunal de Contas, ao analisar contas do Chefe do Executivo, sejam contas de governo, sejam contas de gestão, exerce função auxiliar, sendo o julgamento realizado pela Câmara Municipal.

Com efeito, a técnica de vinculação aos precedentes, pressupõe a verificação das mesmas circunstâncias jurídico-materiais, de modo a legitimar a incidência do precedente. Resultando da criteriosa técnica de confronto (distinguishing) a constatação de que são distintas as circunstâncias fáticas e jurídicas, não haverá espaço para a aplicação do precedente.

Diante disso, o novo diploma processual civil elencou como causa de nulidade da sentença e do acórdão: (i) a falta de exposição de motivos pelos quais o precedente se aplicaria ao caso (art. 489, §1º, V c/c 927, §1º) e (ii) o afastamento de súmula, jurisprudência ou precedente sem demonstrar a existência de distinção ou a superação do entendimento (art. 489, §1º, VI c/c 927, §1º).

Em outras palavras, a decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição) não deve se furtar a explicar os motivos da aplicação de um precedente, limitando-se a citar ementas (“ementismo”), nem pode afastar um precedente sem o devido distinguishing ou sem a devida demonstração da superação do precedente (overruling).

No mesmo sentido, MARINONI, ARENHART e MITIDIERO ensinam que:
Por essa razão, trabalhar com precedentes não significa de modo nenhum simplesmente alinhar julgados – condensados ou não em súmulas – sem individualizar as suas origens, os seus significados e a pertinência que guardam com o caso concreto. Não se considera fundamentada a decisão, portanto, que apenas finge aplicar precedentes, mas que na verdade não patrocina efeitvo processo de identificação de razões e de demonstração da pertinência da ratio decidendi com o caso concreto. Como refere o art. 489, §1º, V, CPC, é preciso identificar as razões determinantes das decisões e a efetiva ligação com o caso concreto, demonstrando-se que esse se ajusta àqueles fundamentos. Do contrário, não há que se falar em decisão fundamentada[1].

Nesse âmbito, fala-se em distinguishing (art. 489, §1º, VI) “quando houver uma distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta o precedente[2]”. [grifei]

O precedente só pode ser aplicado após o distinguishing. O distinguishing é absolutamente indispensável, pois a aplicação do precedente não é automática, é necessário interpretá-la.

Pois bem. Os Tribunais de Contas têm competência para fiscalizar e julgar as daqueles que recebem dinheiro público repassado mediante convênio, acordo, ajuste ou outro instrumento congênere (art. 71, VI, da Constituição da República), que é o caso dos autos.

Nesse sentido, a competência para o controle externo dos recursos da União repassados aos Municípios mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres é do Congresso Nacional, exercida por meio do Tribunal de Contas da União.

Entendimento diverso subtrairia referida competência de controle externo do Congresso Nacional, e transformaria o TCU em mero órgão auxiliar das Câmaras Municipais, em total descompasso com o art. 71 da Constituição da República.

Ademais, a adoção de tese contrária violaria o pacto federativo, previsto no art. 1° da Carta Magna, haja vista que o controle externo dos recursos federais, repassados pela União voluntariamente aos Municípios, com destinação específica e vinculada por meio de convênio, passaria a ser exercido e decidido pelo Poder Legislativo de ente municipal diverso, e não mais pelo Congresso Nacional com auxílio do TCU.

Destarte, resta evidente que o controle externo exercido sobre verbas federais repassadas voluntariamente aos Municípios mediante convênio, acordo ou instrumentos congêneres, mesmo quando geridos por prefeito, é exercido pelo Congresso Nacional, por meio do Tribunal de Contas da União, e não pelas Câmaras Municipais.

2. HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE. Contas de Convênio. Irregularidade gravíssima e insanável. Não comprovação da correta aplicação dos recursos.

A inelegibilidade em discussão requer: (i) rejeição de contas de agente público; (ii) irregularidade insanável; (iii) ato doloso de improbidade administrativa e (iv) decisão irrecorrível do órgão competente (TSE. RO 43081, Rel. Min. Gilmar Mendes, PSESS 27/11/14).

O candidato teve contas rejeitadas pelo TCU, em processo de tomada de contas especial, em que se apreciou a irregularidade na execução da verba federal repassada pelo Convênio 752/2008, celebrado entre o Ministério do Turismo e o Município de Santa Cruz de Salinas, que teve por objeto a realização da XVI Festa Junina de Santa Cruz de Salinas.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, foram identificados os seguintes problemas na aplicação dos recursos federais:

a) empresas contratadas não estabelecidas nos endereços indicados nos contratos e nos documentos fiscais;
b) existência de vínculos entre empresas participantes de processos de aquisição;
c) realização de despesas anteriores à assinatura dos termos de convênio;
d) ausência de comprovação quanto à efetiva realização de eventos;
e) contratações de artistas por inexigibilidade, valendo-se de cartas de exclusividade emitidas pelos empresários dos artistas substabelecendo essa prerrogativa a terceiros, apenas para o dia do show;
f) apresentação, pelos convenentes, de cartas de exclusividade para subsidiar contratações por inexigibilidade não reconhecidas pelos empresários dos artistas; e
g) ocorrência de promoção pessoal de autoridades no material publicitário de divulgação e durante a realização de eventos.

Consequência, o recorrente foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$10.000,00 e à devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$100.000,00.

Em relação à irregularidade insanável que qualifique ato doloso de improbidade administrativa, compete a esta Especializada apreciar o que seria uma irregularidade insanável qualificadora de um ato doloso de improbidade administrativa (TSE. AgR-RESpe 16813, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Ac. de 5/8/14 e RO 72569, Relª. Minª. Maria Thereza, DJe de 27/3/15).

Assim, a irregularidade insanável se trata de malversação de recursos públicos, com dano ao erário, não de meras falhas contábeis (TSE. RESpe 3965643, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe 10/6/10 e AgR-RESpe 56970, Relª. Minª. Laurita Vaz, PSESS em 20/11/12). O gestor público tem a obrigação de receber o dinheiro público e dar-lhe a destinação devida.
            Tratando-se de rejeição de contas por vício insanável, com efetivo prejuízo ao erário, por decisão irrecorrível do TCU, inexistindo provimento suspensivo emanado do Judiciário, configura-se a inelegibilidade (TRE/CE. RCAND 488063, Rel. Carlos Neves da Franca Neto, PSESS 4/8/10. TRE/RN. RE 69690, Rel. Nilson Roberto Cavalcanti Neto, PSESS 28/8/12).

Por fim, “não se exige o dolo específico, basta para a sua configuração a existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam a sua atuação” (TSE. AgR-REspe 27374, Rel. Min. Henrique Neves, j. 7/2/13) e, ainda “o mínimo exigível de um administrador público é o conhecimento das normas que disciplinam, limitam e condicionam a sua atuação. Ao afastar-se o gestor público da disciplina legal que impõe determinada conduta, evidencia-se a vontade de obter um fim dissociado do interesse público, circunstância a revelar, de forma inequívoca, a modalidade dolosa da conduta” (TSE. RESpe 25986, Relª. Minª. Luciana Lóssio, PSESS 11/10/12).

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL manifesta-se pelo conhecimento e não provimento do recurso eleitoral.

Belo Horizonte, 16 de outubro de 2016.


PATRICK SALGADO MARTINS
Procurador Regional Eleitoral



[1] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 578.
[2] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 504.




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